O que está acontecendo nos destinos internacionais que estão retomando o turismo?
Com o declínio sucessivo de novos contágios pelo COVID 19, a retomada do turismo entrou na pauta de alguns dos principais destinos do mundo. Desde a segunda semana de maio, diversos países têm dado início aos respectivos planos de flexibilização da quarentena e coordenado os primeiros passos para a retomada do turismo doméstico e internacional, mediante um fator crucial: o controle da infecção pelo vírus.
Na Europa, que está prestes a entrar na alta temporada de verão, o turismo é um setor vital, especialmente para os países do sul do continente, sendo grande responsável pela recuperação da crise econômica de 2008. Para se ter uma idéia, a participação do setor de turismo no PIB da União Européia em 2019 foi de 9,5%, segundo dados do World Travel & Tourism Council – WTTC.
Apesar de um certo clima de confiança pela retomada progressiva da atividade e a agora anunciada abertura de fronteiras na União Europeia, a Comissão Europeia estima que os hotéis e restaurantes perderão metade de sua renda este ano. Só em março, as receitas de turismo caíram 95% na Itália e 77% na Espanha, segundo o grupo bancário UBS. A previsão do WTTC é que no acumulado do ano de 2020 haverá uma perda sem precedentes estimada de 100.8 milhões de empregos e redução de 30% do PIB turístico.
Nas últimas semanas o cenário que tem se desenhado é de uma retomada lenta e gradual, com a reabertura sistemática dos setores econômicos, espaços públicos como parques, praias, museus e casas de espetáculo, estabelecimentos comerciais incluindo bares, restaurantes e hotéis. Tal movimento tem sido estabelecido em fases que se desdobram a partir deste para os próximos meses, em calendários que variam de país para país, enquanto, paralelamente, desenha-se outra medida relevante: a retirada de restrições de viagens de lazer.
Vale ressaltar que até então os deslocamentos não estavam totalmente proibidos, mas sim limitados a situações essenciais tais como profissionais justificadas, familiares de emergência, retorno ao lar e, em alguns casos, de segunda residência.
Países de território extenso como Espanha e Itália estão inicialmente permitindo as viagens dentro das próprias províncias, enquanto os deslocamentos “interestaduais” (entre províncias) serão retomados mais fortemente em junho.
Nesse momento, já se nota a prevista mobilização de esforços em incentivar o turismo regional e doméstico com medidas que vão além das campanhas de promoção turística. Na Itália, por exemplo, o Governo disponibilizará um voucher de 500 euros para famílias com renda inferior a 40 mil euros/ano que poderá ser usado para cobrir despesas de alojamento turístico em viagens dentro do próprio país até o fim do ano. Em outro continente, a Primeira Ministra da Nova Zelândia tem sensibilizado empresários de todo o país a considerar jornadas semanais de trabalho de apenas 4 dias e com maior flexibilidade, no intuito de estimular o turismo doméstico e, consequentemente, a recuperação da economia do país.
Já as viagens internacionais devem ser reiniciadas paulatinamente a partir do próximo mês em uma lista de países que inclui Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Alemanha, Suíça, Holanda, Bélgica, alguns países escandinavos, do norte, leste europeus e balcãs, ao passo que vêm sendo negociadas as aberturas das fronteiras e a retomada de vôos, mais notadamente entre países vizinhos primeiramente, mas também para outros destinos intra e inter continentais, sob o critério de terem perfis semelhantes de risco de transmissão e baixas taxas de contágio.
Portanto, os fluxos de estrangeiros estão condicionados a restrições de acordos de reciprocidade que, nessa fase inicial, possivelmente levarão às já faladas “bolhas de viagens” (travel bubbles) entre determinados países. Em muitos casos, e variando segundo os acordos bilaterais, as entradas de visitantes ficam condicionadas a requisitos especiais dentre os quais se destacam: quarentenas de 7 a 14 dias após a entrada no país e/ou apresentação obrigatória de certificados de saúde que atestam a condição do visitante livre de COVID 19, e a apresentação de informações de contato e endereço de hospedagem. Como alternativa, países como a Áustria por exemplo seguirão disponibilizando testes pagos de COVID 19 no aeroporto para visitantes que não apresentarem os devidos atestados de saúde.
Apesar das flexibilizações, manter o controle da pandemia é prioridade dos governos e, diante do desafio de conciliar a retomada dos fluxos de visitantes, foi recentemente firmado um acordo entre os países da União Europeia para a utilização de aplicativos de celular que irão monitorar a circulação dos turistas dentro dos países de destino, a exemplo do que foi adotado e implementado em outros lugares como Taiwan, Reino Unido e Islândia.
Além disso, a partir de julho, se inicia a implantação do Certificado Digital Internacional de Saúde, um projeto piloto da Organização Mundial do Turismo que inicialmente será aplicado aos turistas que chegam em voo às Ilhas Canárias, Espanha. A iniciativa consiste também em um aplicativo, o Hi+Card, com a dupla finalidade de conter uma espécie de passaporte sanitário com os dados médicos dos passageiros – exame recente que ateste negativo para o COVID 19 – e de monitorar possíveis contágios durante a estadia dos mesmos no destino.
O fato é que, em um fluxo orquestrado por medidas que são diariamente publicadas e que incluem a programada abertura de lojas, bares, restaurante, atrativos e hotéis, pouco a pouco as cidades e destinos estão recobrando vida. Esse é o primeiro input para que as viagens possam voltar efetivamente a pauta para serem finalmente planejadas e reservadas pelos consumidores. Ainda que muitos serviços estejam sob limitações de capacidade e regras de distanciamento social, medidas sanitárias e de higiene dentre outras adaptações operacionais.
Esses novos parâmetros que os prestadores de serviço agora devem seguir são fundamentados e coordenados em protocolos internacionais e/ou determinados internamente pelos governos de cada país, junto a respectivos representantes setoriais e profissionais de saúde.
Em âmbito global, o World Travel & Tourism Concil – WTTC vem lançando uma série de documentos ferramentais que deverão alcançar 9 subsetores ao todo (incluindo hospedagem, lojas e comércio, aviação, aeroportos, cruzeiros, operadores e centros de convenção), visando alinhar, orientar e fornecer referências de ações e protocolos práticos para que os atores públicos e privados ao redor do mundo possam se ajustar ao que seria esse “novo normal” na indústria de viagens e turismo, ainda coexistindo com o COVID 19.
No âmbito de cada país, como se sabe, Portugal foi o pioneiro ao lançar ainda em abril o selo Clean & Safe que até meados de maio já havia sido aderido por mais de 4.000 empresas dentre hotéis, agências de viagem e operadores, mediante a assinatura de termos de compromisso para implementação dos novos procedimentos por parte das empresas. O selo vem sendo ampliado para cada vez mais setores e, além disso, o país já estabeleceu regras e recomendações para eventos públicos e de massa, acesso às praias, viagens por portos e transportes marítimo.
Seguindo uma linha semelhante, o Ministério da Indústria, Comércio e Turismo da Espanha, por meio de sua Secretaria de Turismo, também disponibilizou um conjunto de 11 cartilhas dirigidas a diferentes categorias de meios de hospedagem (albergues, campings, hotéis e alojamentos rurais), guias, agências de turismo, restaurantes, centros de informação turística, balneários, campos de golfe, turismo ativo e ecoturismo. Os documentos contemplam uma série de recomendações ajustadas a cada tipo de empreendimento e subsetor do turismo no que diz respeito a especificações da prestação do serviço, de limpeza e sanitização, proteção de funcionários, manutenção e gestão de risco, treinamento de funcionários, comunicação e informação ao cliente, oferecendo inclusive templates padrão de comunicação para serem utilizados nos empreendimentos.
Reforça-se que, em todos os casos citados, tais sistemas e protocolos tem sido fruto de um trabalho multisetorial e conjunto com os pares da indústria e da saúde, líderes das províncias, associações setoriais, representantes da sociedade e dos municípios.
Alguns dos ajustes mais visíveis que estão acontecendo são:
Bares e Restaurantes – bares e restaurantes estão operando com capacidade reduzida nas áreas interna e externa. Na Espanha por exemplo, tais estabelecimentos estão inicialmente autorizados a funcionar com apenas 50% de suas capacidades por enquanto. Além disso, no geral, tem se dado a priorização de embalagens e materiais descartáveis, retirada de elementos decorativos das mesas e dos cardápios individuais (substituídos por quadros ou plataformas eletrônicas, exemplo QR code), ventilação frequente. Em alguns países há patrulhas de policiais para checar as regras de distanciamento.
Hotelaria – com as limitações de deslocamento ainda em vigor, na maioria dos países, os hotéis permanecem fechados, preparando suas instalações e equipes para abrir nos próximos meses. Alguns hotéis reabriram com foco em atender a comunidade local e/ou profissionais de saúde, proibindo o uso de áreas comuns (piscinas, buffets, etc.), medidas devem ser flexibilizadas adiante, utilizando esquemas de agendamento e rodízio por exemplo. Nas Ilhas Baleares, preocupados com o encurtamento da alta estação, hotéis já estão planejamento atividades e promoções para estender a temporada de verão.
Atrativos “fechados” – atrativos como museus, teatros, casas de espetáculo, cinemas, etc. principalmente terão menor densidade de pessoas por vez para que sejam cumpridas as regras de distanciamento físico e apostam na simplificação das bilheterias recomendando-se a compra antecipada ingresso. O Vaticano deve implementar scanners térmicos para checar a temperatura dos visitantes.
Atrativos “abertos” – Praias e parque estão sendo abertos ao público em vários países, sob recomendações de distanciamento social de cadeiras e guarda-sóis. Para tanto, foram instaladas estruturas protetoras de acrílico em praias de Santorini, cordas de isolamento nas praias da França e da Itália. Nas praias próximas a Athenas, drones farão a vigilância. Câmeras de vigilância, sistemas de contagem eletrônica e patrulhas feitas por policiais ou mesmo pelos próprios salva-vidas são consideradas por vários países para garantir o cumprimento do distanciamento social, monitorar e aconselhar os banhistas. Portugal deverá adotar a partir de junho um aplicativo que controla e informará ao público em tempo real como está a situação da lotação das praias dentro dos limites seguros de capacidade. Alguns equipamentos de lazer infantil estarão proibidos.
Eventos – ainda prevalecem, na maioria dos países, restrições de eventos e aglomerações de pessoas que limitam os esperados eventos do verão europeu. Destinos como Noruega, Finlândia, Holanda, Suíça, já anunciaram retomada de eventos culturais e esportivos de maior porte a partir do próximo semestre.
No geral, em grande parte dos países, o uso de máscara tornou-se mandatório nos espaços e transportes públicos e é recomendável em ambientes fechados como recepção de hotéis, museus, etc. Profissionais que lidam com o público diretamente devem usar máscara e, em alguns casos, luvas. As higienizações ainda mais frequentes e ficam disponíveis para colaboradores e clientes. Além disso, encoraja-se reservas antecipadas e o pagamento por meios que requerem o menor contato (cartão, transferência, por internet).
Não há dúvidas que tais iniciativas serão fundamentais para recobrar a confiança dos turistas e, claro e primeiramente, para que os empreendimentos possam operar de maneira organizada e em segurança, tanto para clientes como para o próprio staff. Porém, esse início já é um teste da capacidade de reorganização das empresas a nível gerencial e operacional.
Ainda com pouco movimento por enquanto e tendo a capacidade de atendimento limitada pelos novos padrões de segurança, muitos empreendimentos têm optado por permanecer fechados nesse início e temem ter comprometida a viabilidade de seus negócios, até que as restrições de capacidade sejam flexibilizadas ou que a demanda, ainda tímida e cautelosa, retome com mais força.
Mas isso não deve acontecer de maneira imediata, ao contrário, imagina-se que o aumento do fluxo progressivo ocorrerá a partir dos próximos meses e que só deve se consolidar em níveis significativos a partir do ano que vem.
Tal previsão mostrou que será necessário a revisão dos auxílios dos Governos para uma fase de adaptação por meio de extensão da isenção de certos impostos para empresas de hospedagem e alimentação, dos auxílios aos trabalhadores, ou mesmo das contribuições a favor de companhias que tiveram grandes prejuízos de faturamento como agências de viagem e operadoras.
Portanto, em conclusão, podemos dizer que a retomada do turismo tem as seguintes características fundamentais:
Controle de contágios como pressuposto para se iniciar a retomada e permitir relações e acordos de abertura das fronteiras. podendo resultar em “bolhas de viagem”.
O uso da tecnologia têm sido uma aposta para controlar o risco de contágio a partir do monitoramento da circulação dos turistas no destino, o que poderá ser uma nova realidade. Além disso, pode auxiliar as empresas na busca de soluções mais criativas para ajustar seus procedimentos operacionais aos novos protocolos de sanitários.
Coordenação e liderança a retomada deve se dar de maneira cuidadosa, articulada e organizada, em que os papéis de lideranças internacional, nacional e setoriais são extremamente cruciais para a definição conjunta e implementação de diretrizes e protocolos que sustentem a confiabilidade de turistas, empresários e trabalhadores, premissa mais básica para as viagens em tempos de pandemia.
Nova cadeia de valor é se reinventando e adaptando sua cadeia de valor dentro de limites que prezam pela saúde e segurança de trabalhadores e clientes, de turistas e das comunidades, que o setor do turismo tenta ganhar novo fôlego para lidar com uma das maiores crises de sua história e coexistir com o risco iminente de uma nova onda de proliferação do vírus. Para tanto, os empreendimentos estão treinando seus funcionários, incluindo tecnologia na sua operação, realizando ajustes operacionais, abusando da criatividade e ofertando produtos alternativos a seus clientes.
Adaptação contínua – apesar de um certo clima de otimismo, em um cenário ainda instável, é fato que ainda existem e existirão muitos desafios pela frente, especialmente para garantir a viabilidade da operação dos pequenos empreendimentos dentro de parâmetros seguros e para evitar o desemprego. De uma forma geral, os destinos e negócios também enfrentam o redimensionamento da demanda e a necessidade de adaptação a novos mercados e perfis de consumidores, além dos novas regras que impactam diretamente a operação.
Relações de Co Responsabilidade ficam mais evidentes pois, para tudo funcionar bem, é crucial que compromisso e co-responsabilidade sejam assumidos por todas as partes. Por um lado posturas mais atentas e flexível dos turistas diante das novas regras, possíveis limitações da oferta e serviços mais lentos. Por outra, a adaptação operacional e a vigilância e treinamento do staff, por parte das empresas. Nessa relação, comunicação e transparência é a chave. Mas fica o desafio de como fazer tudo isso com leveza e criatividade, afinal, estamos falando do “negócio da felicidade”.
O novo normal exigirá muito dos empreendedores e gestores públicos envolvidos na cadeia do turismo. Aqui temos uma oportunidade: é possível aprender com questões que funcionaram em destinos que estão preparando a reabertura. Esperamos que esta leitura inspire a busca de informações que possam facilitar a adaptação ao novo normal no seu destino ou empreendimento.
Fonte: Turismo Spot